Desemprego e informalidade no brasil
Após a queda no número de informais no pico da pandemia de covid-19, por conta das medidas de isolamento social, os trabalhadores informais brasileiros voltam a contabilizar 38 milhões e desemprego na faixa de 12 milhões
Sthefany Rocha
O trabalho informal atinge 40,2% da população economicamente ocupada no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), realizada no quarto trimestre de 2021. A informalidade é a principal alternativa ao desemprego e à falta de renda, que afetam 12 milhões de pessoas, o que significa cidadãos sem acesso a direitos trabalhistas, como proteção social e FGTS.
Para Bruno Lira, professor substituto do departamento de sociologia da Universidade de Brasília e doutor em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba, os 38 milhões de informais simbolizam a precarização do trabalho e desigualdade social existente no país, "Estar formalizado no mercado de trabalho gera acesso a uma rede de proteção social, como o FGTS, o INSS e gratificações”, afirmou Lira. "Para consumir direitos sociais básicos como educação, saúde, alimentação, moradia e outros, você precisa ter rendimentos estáveis que garantam o direito à vida”.
O desemprego entre os mais pobres é maior que entre os mais ricos, como aponta estudo da FGV Social publicado em setembro de 2021, antes da pandemia a taxa era de 26,55% e durante a crise sanitária passou para 35,98%. Os dados refletem a situação de vulnerabilidade que boa parte da população está inserida e acaba tendo que recorrer ao trabalho sem carteira assinada para manter as contas pagas e não passar fome.
Daniel Gomes, há dois anos sobe em uma bicicleta e sai pelas ruas para vender açaí. Ele considera vantajoso a flexibilidade e o faturamento mensal que seu trabalho oferece. “A gente perde algumas garantias, porém eu trabalho somente meio período e ganho um salário mínimo no final do mês”, disse Gomes. A ideia de benefício está relacionada com incentivo ao empreendedorismo individual que ocorreu nos últimos anos, contudo estar inserido no mercado informal significa que uma parcela dos trabalhadores não terão acesso a serviços de proteção social inerentes à formalização, como aposentadoria, seguro desemprego e auxílio saúde.
A desvalorização do salário mínimo e diminuição do poder de compra impulsiona o aumento da ocupação por conta própria, visto que os indivíduos enxergam na informalidade uma oportunidade de renda extra, como é o caso de Pedro Henrique, que durante a manhã trabalha com informática e à tarde vende água e cocada no sinal. “É cansativo, mas o dinheiro a mais ajuda a pagar as contas e as coisas estão cada vez mais caras”, afirmou Pedro.
Em março de 2022, a inflação entre os que possuem menor renda foi de 12%, no acumulado de 12 meses, e os produtos alimentícios sofreram mais com alta de preços, segundo carta de conjuntura divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Segundo Lira, o desemprego e a informalidade são características do mundo capitalista liberal, porém ele acredita que o Estado deve promover políticas públicas que visem minimizar as assimetrias sociais, como a desigualdade de renda entre ricos e pobres, brancos e negros, e homens e mulheres. “É próprio do sistema-mundo capitalista o desemprego, não há um único país no mundo que não tenha taxa de desempregados”, disse o sociólogo. “A valorização real do salário mínimo, ou seja, acima da inflação, possibilita o poder de compra de famílias, e é um exemplo de política econômica que afeta diretamente o social”.
A informalidade também afeta os jovens brasileiros, entre 18 e 24 anos. Ricardo Sidharta, 18 anos, que após terminar o ensino médio não conseguiu ter sua carteira assinada e começou a vender trufas pela cidade de Planaltina. “Está difícil conseguir trabalho e a venda das trufas já é uma ajuda”, disse Sidharta. Por conta da desigualdade de renda existente no Brasil, essa população deixa de ingressar no ensino superior e consequentemente o Estado perde potencial capital intelectual e profissionais qualificados.
Sidharta pretende fazer faculdade de programação, porém contribuir com a renda de casa é sua prioridade, já que a atual situação financeira da sua família impossibilita gastos excedentes e os estudos estão sendo adiados. Os jovens de 18 a 24 anos representam 30,8% das pessoas desocupadas, dados da Pnad Contínua.
De acordo com pesquisa “Juventude E Trabalho Informal No Brasil”, publicada em 2015, uma parceria do Ipea com a Organização Internacional do Trabalho, a idade entre 18 e 19 anos é a mais peculiar para inserção no mercado de trabalho, uma vez que esses indivíduos teriam capacidade de assumir um posto formal, porém representam alto grau de informalidade mediante a escolaridade, cor e renda familiar.
Mulheres constituem 54,5% da população sem vínculo empregatício, 9% a mais que os homens no quarto trimestre de 2021. Historicamente as mulheres sofrem mais com o desemprego, recebem menores salários por conta da estrutura patriarcal da sociedade e depois da gravidez são invisibilizadas no mercado. A pesquisa “The Labor Market Consequences of Maternity Leave” feita pela Fundação Getulio Vargas, analisa a situação das mães no mercado de trabalho formal, antes e após a licença maternidade, no Brasil. Os resultados apontam que após a licença, as mulheres têm mais probabilidade de perder o trabalho e que os números de demissões variam de acordo com o nível de instrução e tempo de afastamento.
Depois que ficou grávida, Jéssica Fonseca teve que abandonar a faculdade de pedagogia e o emprego e há 5 anos começou a produzir e comercializar pães artesanais: “Foi a alternativa que encontrei na época, é difícil, mas dá para manter a renda”, disse. Hoje, com 31 anos, ela pensa em voltar a estudar e aguarda uma melhor condição financeira. Jéssica é uma das muitas brasileiras que após terem filhos precisam procurar opções fora da formalização para se sustentar, o que é reflexo da desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
Em sociedades com altas taxas de desemprego e informalidade, como é o caso da brasileira, direitos básicos e o exercício da cidadania são cerceados de parte das pessoas, sobretudo os mais pobres. A Constituição Federal de 1988 prevê como dever do Estado o acesso ao trabalho digno, saúde e educação, porém a falta de políticas públicas é o principal motor do ciclo de desigualdade. “As pessoas desempregadas e informalizadas passam por diversas privações, desde fome a não ter onde morar”, afirmou o professor Bruno Lira. “Se há desemprego e informalidade, a plena cidadania não é alcançada”.